Como as Descobertas de Mendel Complementaram a Teoria da Seleção Natural de Darwin
Este texto explora a vida e as contribuições de Gregor Mendel, enfatizando como suas pesquisas inovadoras em hereditariedade preencheram uma lacuna crucial na teoria da seleção natural de Darwin. Apesar de inicialmente subestimadas, suas descobertas tornaram-se fundamentais para a biologia moderna. Essa análise é retirada do final do capítulo 25 do livro "Breve História de Quase Tudo".
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A seleção natural, para funcionar, exigiria algum mecanismo alternativo e desconhecido.Sem que Darwin e ninguém mais soubesse, a 1200 quilômetros dali, num canto tranquilo da Europa Central, um monge solitário chamado Gregor Mendel estava achando a solução.
Mendel nasceu em 1822 numa família camponesa humilde em uma província do Império Austríaco, no que é hoje a República Checa. Os livros escolares costumavam retratá-lo como um monge provinciano simples, mas observador, cujas descobertas foram, em sua maioria, casuais – o resultado de observar alguns traços hereditários interessantes enquanto se distraía com ervilhas na horta do mosteiro. Na verdade, Mendel era um cientista diplomado – ele estudou física e matemática no Instituto Filosófico Olmütz e na Universidade de Viena – que aplicava a disciplina científica a tudo o que fazia. Além disso, o mosteiro de Brno, onde viveu a partir de 1843, era conhecido como uma instituição douta, com uma biblioteca de 20 mil livros e uma tradição de investigação científica rigorosa.
Antes de embarcar em seus experimentos, Mendel passou dois anos preparando seus espécimes de controle, sete variedades de ervilhas, para evitar falhas nas hibridações. Depois, ajudado por dois auxiliares em tempo integral, ele repetidamente gerou e cruzou híbridos de 30 mil pés de ervilhas. Era um trabalho delicado, que exigia um cuidado extremo para evitar fecundações cruzadas acidentais e para observar a mínima variação no crescimento e na aparência de sementes, vagens, folhas, hastes e flores. Mendel sabia o que estava fazendo.
Ele nunca usou a palavra “gene” – ela só foi cunhada em 1913, em um dicionário médico inglês –, embora tenha inventado os termos “dominante” e “recessivo”. Mendel estabeleceu que cada semente continha dois “fatores” ou elementos, como os chamou – um dominante e outro recessivo –, os quais, quando combinados, produziam padrões previsíveis de herança. Os resultados, ele converteu em fórmulas matemáticas precisas. No todo, Mendel passou oito anos realizando os experimentos e depois confirmou os resultados com experiências semelhantes em flores, milho e outras plantas.
No mínimo, Mendel foi científico demais em sua abordagem, pois, ao apresentar suas descobertas nas reuniões de fevereiro e março da Sociedade de História Natural de Brno, em 1865, o público de cerca de quarenta pessoas ouviu educadamente mas não se empolgou, a despeito de a cultura de plantas ser uma questão de grande interesse prático para muitos dos membros.
Quando o artigo de Mendel foi publicado, ele enviou entusiasmado uma cópia ao grande botânico suíço Karl-Wilhelm von Nägeli, cujo apoio era mais ou menos vital para o sucesso da teoria. Infelizmente, Nägeli não percebeu a importância do que Mendel havia descoberto e sugeriu que ele tentasse cultivar chicória. Mendel obedientemente seguiu a sugestão, mas logo percebeu que a chicória não possuía nenhum dos aspectos necessários ao estudo da hereditariedade. Estava claro que Nägeli não havia lido o artigo com atenção, se é que lera. Frustrado, parou de investigar a hereditariedade e passou o resto da vida cultivando hortaliças extraordinárias e estudando abelhas, camundongos e manchas solares, entre muitas outras coisas. Acabou se tornando abade.
As descobertas de Mendel não foram tão amplamente ignoradas como às vezes se afirma. Seu estudo mereceu um verbete apaixonado na Encyclopaedia Britannica – na época, um registro do pensamento científico mais proeminente do que hoje – e foi citado repetidas vezes num artigo importante do alemão Wilhem Olbers Focke. De fato, por nunca terem submergido inteiramente abaixo da linha-d’água do pensamento científico é que as ideias de Mendel foram recuperadas com tanta facilidade quando o mundo estava pronto para elas.
Juntos, sem que percebessem, Darwin e Mendel estabeleceram a base de todas as ciências da vida no século XX. O primeiro viu que todos os seres vivos estão relacionados, que em última análise eles “remontam sua ancestralidade a uma origem única, comum”, enquanto o trabalho do segundo proporcionou o mecanismo para explicar como aquilo podia acontecer. Os dois homens poderiam sem dúvida ter ajudado um ao outro. Mendel possuía uma edição alemã de "A Origem das Espécies", que ele sabidamente leu, de modo que deve ter percebido a aplicabilidade de seu trabalho ao de Darwin, mas parece não ter feito nenhum esforço para entrar em contato com ele. E sabe-se que Darwin, por sua vez, teria estudado o artigo influente de Focke, com suas referências repetidas ao trabalho de Mendel, contudo não as associou aos próprios estudos.
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