Você caiu do céu e não se machucou

Estava navegando através de cache de paginas, sites que já não existem mais. E encontrei uma crônica escrita por "Paulo Lencina" em uma coluna da superinteressante chamada SuperColuna no ano de 2003. Ao buscar tal crônica na internet percebi que não encontrava em lugar algum e para não deixa-la morrer trouxe hoje aqui:


Você caiu do céu
e não se machucou

Você caiu do céu e não se machucou. Desculpe iniciar citando essa famosa cantada barata. Contudo, garanto que é para tratar de um assunto elevadíssimo: anjos. Sim, você leu direito, anjos. Já reparou a enorme legião deles que existe à nossa volta? Está bem, você não acredita em anjos. Nem precisa. Pelo menos não naqueles cuja imagem povoa os altares barrocos e o inconsciente coletivo com os seus cachinhos dourados, asinhas às costas, olhar benevolentíssimo: Raphael, Hariel, Gabriel. Desses até eu tenho dúvidas.

Sem querer criar polêmica, gostaria de falar de outro tipo angelical: as pessoas que são verdadeiros anjos da guarda na nossa vida. Seres feitos de carne e osso e sentimentos: muito sentimento. Aliás, essa é a sua grande virtude: deixar-se sentir pelos outros. É gente comum, terrena, pedestre: igual a mim, a você, à sua irmã. Por isso mesmo capaz de compreender melhor as desditas alheias. Eu conheço uma meia dúzia de pessoas assim. Acredito que você também conheça. Quantas vezes você já disse que alguém era um anjo porque o ajudou numa situação crítica? Eles estão ao nosso lado para o que der e vier.

E tem anjos para todos os gostos: preguiçosos, alegres, tímidos, tristes, baladeiros, exibicionistas. Tem até anjos mau-humorados. São amarelos, negros, brancos, vermelhos, mestiços: anjos não têm raça, têm bondade no coração. Tampouco importa a sua ideologia, a sua crença, o seu time do coração (eles garantem que não se deve discutir gosto, religião e política). Porém, se não têm raça, ao contrário do que garante a língua das beatas, os anjos possuem sexo – e fazem sexo. Vêm de todos cantos: Berlim, Tegucigalpa, Chapecó. Mas têm algo em comum: seguem o princípio básico de fazer o bem sem olhar a quem. Neste mosaico, um umbandista pode ser o anjo de um evangélico; um colorado de um gremista; um conservador de um liberal; um palestino de um judeu. O que os une é a vontade de ajudar o próximo.

Qualquer um pode ser anjo por alguns instantes: fulano, sicrano, beltrano. Certa vez, numa viagem entre Fortaleza e o Recife, tive o meu momento celestial. Uma senhora sentada ao meu lado tinha um verdadeiro pavor de voar. Desde a decolagem, percebi o seu desconforto. À menor sacudidela do avião: cravava as unhas na poltrona, fechava os olhos, maldizia a geringonça voadora. Tentei acalmá-la falando todo aquele blablablá que o avião é o transporte mais seguro que existe. De nada resolveu. Algo compreensível para quem tem medo de altura – e está a 12 mil metros do chão. Não houve estatística que a convencesse. Então mudei de estratégia. Propus que rezássemos. Concordou, com os olhos mareados. Segurou forte a minha mão: chamamos todos os santos com doçura. Ela se acalmou (pelo menos até o pouso). Depois dessa experiência, acho que já posso preencher orgulhosamente numa ficha de crediário no item profissão a palavra: anjo.

Como em tudo na vida, a ajuda dessas pessoas também obedece a uma lógica: é dando que se recebe. Numa outra ocasião fui eu quem precisou de um anjo. Eu estava perdido numa rua do estrangeiro, atrasado para pegar o trem e sem falar a língua local. Uma moça de olhar azul – coincidentemente azul – me viu cheio de mapas na mão e resolveu me ajudar. Através do seu português rudimentar (já tinha vindo ao Brasil) fui salvo a tempo de ver a paisagem passar correndo pela janela do trem. Esse é um exemplo de que os anjos não se ocupam apenas de assuntos elevados, mas também de fatos corriqueiros como o de um brasileiro perdido numa cidade européia: paus para toda obra.

Às vezes, a gente é anjo sem perceber (e sem esperar nada em troca). Uma palavra de conforto dita no momento certo pode vir a fazer diferença na vida de alguém. Como aconteceu com aquela senhora no avião ou comigo no exterior. Talvez aquela moça que me ajudou sequer suspeite o quanto bem me fez. Contudo, gostaria de revê-la. Não sei se será possível, porque foi apenas um encontro casual numa terra distante. Mas se você tem um anjo guardando a sua vida, faça-o saber da sua importância. Vale até mesmo aquela velha frasezinha: nossa, você caiu do céu e não se machucou.


Uma analise Pessoal da Crônica 

Essa crônica é realmente cativante. Ela aborda o conceito de "anjos" de uma maneira que faz você sorrir e refletir sobre a bondade presente na vida cotidiana. A forma como o autor inicia com um toque de humor usando a famosa cantada "Você caiu do céu e não se machucou" é simplesmente genial, pois quebra as expectativas e nos conduz a um tópico mais profundo.

É inspirador ver como o autor descreve "anjos terrenos" como pessoas comuns, de carne e osso, que se destacam pelo seu amor e compaixão. A diversidade desses "anjos", em termos de personalidade, aparência e origens, é uma mensagem poderosa de que a bondade transcende barreiras.

A narrativa pessoal do autor torna a crônica ainda mais envolvente, pois compartilha experiências pessoais em que ele próprio foi ajudado por pessoas bondosas, ou quando teve a oportunidade de agir como um "anjo" para alguém. Isso nos faz refletir sobre nossas próprias interações diárias e as oportunidades que temos de fazer a diferença na vida de alguém.

O cerne da mensagem, de que todos nós somos capazes de ser um "anjo" na vida de alguém, é extremamente reconfortante. E a ideia de que pequenos atos de bondade podem ter um grande impacto é uma lição valiosa que todos devemos lembrar.

Em resumo, esta crônica é uma bela celebração da bondade humana, e me deixou com um sorriso no rosto e um sentimento de gratidão pelas "pessoas- anjos" que cruzaram meu cainho, Obrigado!

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